sexta-feira, 15 de maio de 2009

O leviatã de Hobbes


“O homem é um lobo para o homem”. Hobbes

Em 1651 é publicado em Londres um livro de título estranho: Leviatã, ou a Matéria, a Forma e o Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. “Leviatã” é um monstro bíblico, uma espécie de grande hipopótamo de que fala o livro de Jó, precisando “que não há poder sobre a terra que se lhe possa comparar” (Jó 41.1-10).
O autor desse estranho livro, Thomas Hobbes (1587-1666), parte do princípio de que os homens são egoístas e que o mundo não satisfaz todas as suas necessidades, defendendo por isso que no Estado Natural, sem a existência da sociedade civil, há necessariamente competição entre os homens pela riqueza, segurança e glória. A luta que se segue é a «guerra de todos contra todos», na célebre formulação de Hobbes, em que por isso não pode haver comércio, indústria ou civilização, e em que a vida do homem é «solitária, pobre, suja, brutal e curta.» A luta ocorre porque cada homem persegue racionalmente os seus próprios interesses, sem que o resultado interesse a alguém.
Como terminar com esta situação? A solução não é apelar à moral e à justiça, já que no estado natural estas idéias não fazem sentido. O nosso raciocínio leva-nos a procurar a paz se for possível, e a utilizar todos os meios da guerra se a não conseguirmos. Então como é que a paz é conseguida. Somente por meio de um contrato social. Temos que aceitar abandonar a nossa capacidade de atacar os outros em troca do abandono pelos outros do direito de nos atacarem.
A essência da soberania consiste unicamente em ter o poder suficiente para manter a paz, punindo aqueles que a quebram. Quando este soberano - o Leviatã - existe , a justiça passa a ter sentido já que os acordos e as promessas passam a ser obrigatoriamente cumpridos. A partir deste momento cada membro tem razão suficiente para ser justo, já que o soberano assegura que os que cumprirem os acordos serão convenientemente punidos.

Os homens naturais
No princípio de tudo está o movimento. Do movimento nasce a sensação. Apetite ou desejo, aversão ou ódio, trata-se de um “pequeno começo de movimento”, ou o esforço em direção a alguma coisa. Nada existe de bom ou mau em si: estes adjetivos só têm sentido relativamente àquele que os emprega. O prazer é a sensação do bem. O desprazer, a sensação do mal. O mal supremo é a morte. “O que se chama felicidade” existe quando nossos desejos se realizam com êxito constante. O poder é a condição sine qua non para essa felicidade. Riquezas, ciência, honra, são apenas formas do poder. Há no homem um desejo perpétuo, incessante de poder, com só termina com a morte.
Por isso concorrência, desconfiança recíproca, avidez de glória ou fama têm por resultado a guerra perpétua: o homem é um lobo para o homem (homo homini lúpus). Sob pena de destruição da espécie humana, é preciso que o homem abandone tal estado. A sua salvação consiste em abandonar este estado, mediante o uso da razão, àquilo que “conduz à nossa própria conservação e defesa”. Hobbes destaca então 19 leis de natureza, resumidas numa fórmula “simples e inteligível: não façais aos outros o que não quereis que vos façam”. Concordai, portanto, em renunciar ao direito absoluto sobre todas as coisas, direito que cada um de vós, igual aos outros, possui no estado de natureza (direito natural, na linguagem de Hobbes).
Nessa concepção de Hobbes, no Estado de Natureza, os indivíduos vivem isolados e em luta permanente. Nesse estado, reina o medo e, principalmente, o grande medo: o da morte violenta. Para se protegerem uns dos outros, os humanos inventaram as armas e cercaram as terras que ocupavam. Essas duas atitudes são inúteis, pois sempre haverá alguém mais forte que vencerá o mais fraco e ocupará as terras cercadas. A vida não tem garantias; a posse não tem reconhecimento e, portanto, não existe; a única lei é a força do mais forte, que pode tudo quanto tenha força para conquistar e conservar.
Dada a natureza humana, sabe-se que, não obstante o temor da morte e os preceitos da razão, tal acordo não será observado, a menos que um poder irresistível, visível e tangível, armado do castigo, constranja à observância os homens atemorizados. Quem é este poder? O Estado ou coisa pública, o homem artificial. Quem o constituirá? São os homens naturais que o constituirão, por um pacto voluntário firmando entre si, tendo em vista a própria proteção, a fim de saírem, sem temor de recaída, do espantoso estado natural – para a sua libertação, sua salvação.

O homem artificial, o Estado-Leviatã
A passagem do Estado de Natureza à sociedade civil se dá por meio de um contrato social, pelo qual os indivíduos renunciam à liberdade natural e à posse natural de bens, riquezas e armas e concordam em transferir a um terceiro – o soberano – o poder para criar e aplicar as leis, tornando-se autoridade política. O contrato social funda a soberania, instituindo a autoridade política, isto é, a polis ou a civitas. É instituído, portanto, o estado civil, que deve por um fim às lutas mortais do estado de natureza.
A teoria do direito natural garante essas duas condições para validar o contrato social ou o pacto político. Se as partes contratantes possuem os mesmos direitos naturais e são livres, possuem o direito e o poder para transferir a liberdade a um terceiro; e se consentem voluntária e livremente nisso, então dão ao soberano algo que possuem, legitimando o poder da soberania. Assim, por direito natural, os indivíduos formam a vontade livre da sociedade, voluntariamente fazem um pacto ou contrato e transferem ao soberano o poder para dirigi-los.
Para Hobbes, os homens reunidos numa multidão de indivíduos, pelo pacto, passam a constituir um corpo político, uma pessoa artificial criada pela ação humana e que se chama Estado.
Para Hobbes, o soberano pode ser um rei, um grupo de aristocratas ou uma assembléia democrática. O fundamental não é o número de governantes, mas a determinação de quem possui o poder ou a soberania. Esta pertence de modo absoluto ao Estado, que, por meio das instituições públicas, tem o poder para promulgar e aplicar as leis, definir e garantir a propriedade privada e exigir obediência incondicional dos governados, desde que respeite dois direitos naturais intransferíveis: o direito à vida e à paz, pois foi por eles que o soberano foi criado. O soberano detém a espada e a lei; os governados, a vida e a propriedade dos bens. O regime político que parece a Hobbes mais capaz de assegurar paz e segurança será a monarquia, pois o “interesse pessoal do soberano é o mesmo que o interesse público”.
O Estado hobbesiano não encarna verdade religiosa alguma, nenhuma mística. Não exige dos súditos crenças, mas obediência. Pouco se lhe dá o foro interior. Sua lógica impõe uma sincronização prática entre o que é de ordem religiosa e de ordem civil, para que os súditos não sejam abalados, dilacerados, dissociados entre as ordens do poder religioso e as do poder civil – para que reine a paz, à qual as discussões político-religiosas são fatais. A paz que exige, em matéria de atos exteriores da religião, não a tolerância, mas o conformismo.

CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. Ed. Ática, São Paulo, 2000.

CHEVALLIER, Jean J. As grandes obras políticas: de Maquiavel a nossos dias. Rio de Janeiro: Agir, 1998.

RUBY, Christian. Introdução à filosofia política. São Paulo: Unesp, 1998.